sexta-feira, 11 de outubro de 2013

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Nota prévia
Esta peça foi preparada para o «Capeia Arraiana», onde pode ser consultada também.

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ENTREVISTA

António Marques
Um criador de cães da Serra da Estrela


O cão «Serra da Estrela» é a estrela desta crónica. É uma peça um pouco longa, mas vale bem a pena. Não há muitos destes cães no Casteleiro. Mas há alguns – e é «nosso» um dos grandes criadores, António Reis Nunes, a residir agora na Quinta do Espinhal mas que se criou no Casteleiro, na Quinta de Santo Amaro, e é o Chanceler da Confraria. Além disso, é «nosso» o meu entrevistado de hoje, António Marques, o Presidente da nossa Junta de Freguesia, que é também um grande criador, grande entusiasta – e dirigente dos dois organismos que mais se empenham na promoção e defesa da raça «Serra da Estrela».
Esta entrevista e as fotos e filmes que aqui trago vão deliciar toda a gente – e não apenas os mais sensíveis à afectividade pujante deste animal…


O cão é um animal especialmente ligado ao ser humano e muito dedicado. Cresci com a Doninha até aos meus 18 anos, se bem me lembro. E o que me e nos custou a todos lá em casa quando morreu…
Há várias raças de cães genuinamente portuguesas. Por todas, cito: o rafeiro do Alentejo, o cão de água, o podengo, o cão de Castro Laboreiro… e tantas. Mas à cabeça, hoje, quero citar uma raça com muita classe e totalmente ligada à nossa zona: o Cão da Serra da Estrela. O «Serra» é o nosso cão. Ora, para salvaguarda do carácter genuíno e para promoção do «Serra» foi criada há três anos uma entidade especial: a Confraria do Cão da Serra da Estrela da qual António Marques é membro dirigente. Mais propriamente, é o Fiel-das-Usanças. A presidência da Direcção compete a António dos Reis Nunes – cujo cargo tem a designação de «Chanceler» e que morou no Casteleiro, na Quinta de Santo Amaro (conheço-o desde criança), sendo agora residente na Quinta do Espinhal, Rebelhos, Belmonte. Tudo aqui ao pé do Casteleiro, portanto.
 

Permitam-me uma nota que, sendo informação oficial, traduz a boa disposição com que estas coisas podem ser feitas. É que os membros da Direcção são designados como «Pastores», os da Assembleia Geral são a «Matilha» e os do Conselho Fiscal, como não podia deixar de ser, são os «Lobos». Isso só mostra o bom humor reinante… Veja aqui
O meu convidado de hoje para a apresentação da Confraria é um entusiasta da criação e da promoção do «nosso» cão. E é também, como sabemos, o Presidente reeleito da Junta de Freguesia do Casteleiro.


O que é um verdadeiro Cão da Serra da Estrela?


António Marques, meu caro Tó Zé, antes de mais – e vamos por partes – o que é um verdadeiro animal que se possa classificar como Cão da Serra da Estrela? Quais as principais características?
- O Cão da Serra da Estrela é, essencialmente, um cão de protecção de rebanhos, de guarda e companhia. Existe na variedade de pêlo curto e pêlo comprido. É um animal rústico, atento, calmo, expressivo, fiel e um excelente guarda do “seu” território. As características técnicas estão descritas no denominado “estalão da raça” que podem consultar no «site» do Clube Português de Canicultura, aqui.
No entanto, por curiosidade, deixo aqui uma descrição feita por Brás Garcia de Mascarenhas no seu poema épico “Viriato Trágico”, do cão de Viriato, que muitos sustentam ser a do nosso Serra. Um poema dirigido a D. João IV a implorar clemência, já que estava preso por desobediência. A prisão era a torre de menagem do Castelo do Sabugal, precisamente o concelho onde a Confraria tem a sua sede.


“Largo de espáduas, de olhos carrancudo,
Rasgada a boca, orelhas derrubadas,
Ventas negras, focinho cabeludo,
Beiços caídos, garras encrespadas,
Fornidos pés e mãos, corpo membrudo,
Seco de ancas, gordo de queixadas,
Curvas e dentes, rabo grosso,
Grosso e curto nos lombos e pescoço”

No Casteleiro há cães com essas características? Ou poderá vir a haver?
- No Casteleiro e no concelho do Sabugal existem alguns exemplares, muitos deles registados no Livro de Origens da Raça.

O «Serra» é meigo ou agressivo? Que outras características afectivas mostra?
- O Serra da Estrela é extremamente afectuoso. Dócil com o seu dono e desconfiado com estranhos!

Apresentam o animal como um elemento de divertimento e de trabalho. Referem-se ao trabalho de ajuda aos pastores sobretudo no passado ou querem referir outras utilidades do Cão Serra da Estrela especificamente?
- Como referi, é essencialmente um cão de protecção de rebanhos e de guarda embora possa também ser utilizado como animal de tracção.


Preservar a raça do «Serra»

Há vantagens em preservar a raça apurada e certificada de um animal deste tipo?
- A única forma de preservar, hoje e no futuro, as características da raça, é manter exemplares devidamente registados no Livro de Origens, existente no Clube Português de Canicultura.

E o que se pode e deve fazer para isso?
- Essa é essencialmente a missão de todos os criadores reconhecidos bem como das duas associações da raça existentes em Portugal: A Associação Portuguesa do Cão da Serra da Estrela (APSCE) e a Liga dos Criadores e Amigos do Cão da Serra da Estrela (LICRASE). Todos podem igualmente contribuir quando, ao adquirir um exemplar, optarem por escolher um criador credenciado. O CPC disponibiliza essa listagem gratuitamente.

Quantos animais há em registo e quantos além disso calculam que possa haver? Na nossa zona, no País todo – e no estrangeiro… têm esses dados?
- No final de 2012, considerando uma esperança média de vida de 8 anos, habitualmente utilizada para este tipo de raças, com base nos registos deverão existir cerca de 4400 exemplares. De pêlo comprido 3900 e de pêlo curto 500.


A Confraria e os seus encontros

Vocês, criadores, escolheram um modelo de associação muito específico: uma confraria. Primeiro, cabe perguntar: o que é uma confraria? O que é a Confraria do Cão da Serra da Estrela – melhor de criadores do cão?
- Os criadores estão reunidos nas duas associações que referi. A Confraria é uma associação de convergência de amigos, criadores, clubes, associações e outras entidades ou individualidades relacionadas com a raça, no intuito da sua valorização histórica, patrimonial, cultural, social e lúdica e não se assume como entidade representativa da raça, estando-lhe vedada essa função junto das entidades oficiais do sector.

Quem preside ou dirige os destinos da Confraria? Como se divulga e promove o cão e como tem corrido essa tarefa?
- Como referido, a Confraria é uma Associação. Tem sócios e estatutos e órgãos sociais eleitos. Temos procurado promover o Serra porque acreditamos que o futuro do Cão da Serra da Estrela passa também, e em muito, pela sua ampla divulgação junto dos mais variados públicos e fóruns e não apenas nos sempre importantes, mas limitados, concursos de beleza.
É nossa ambição e objectivo levar o Cão junto do maior número de pessoas.
Pelo simbolismo, mas essencialmente pelas oportunidades que o movimento confrádico possibilita em todo País e no estrangeiro, a Confraria pode ser um veículo poderoso de levar o cão da serra da estrela a ganhar espaços, a conquistar palcos e a trilhar caminhos nunca antes percorridos.
Uma Confraria é uma irmandade. A nossa confraria é, pois, uma irmandade virada ao futuro, em que o nosso “mais velho” é o CÃO.


Agora as explicações sem as quais ninguém se entende: Assembleia Geral, Capítulo, Grão-Mestre, entronização, oração de sapiência… Isso tudo é uma linguagem muito especial e fechada ou é uma «brincadeira» séria de amigos? 
- A linguagem está relacionada com a terminologia das remotas e seculares confrarias. O Capítulo não é mais que uma Assembleia. É nos Capítulos que são entronizados os novos confrades. Afinal, é uma cerimónia anual que reúne todos os membros. É um momento festivo, sério e de confraternização em que marcam presença delegações de muitas outras Confrarias existentes.

Fazem desfiles só aqui na zona ou também mais longe?
- A Confraria marca presença, sempre que possível, em eventos em todo o território nacional graças à disponibilidade dos confrades que residem em quase todas as zonas do país.

Vocês divertem-se nos vossos encontros, que são também convívios até com outras confrarias, ao que se percebe…
- Nomeadamente aquando da realização dos Capítulos, muitas outras confrarias marcam presença. A verdade é que a grande maioria das Confrarias são gastronómicas. Por isso, ou talvez não, terminamos sempre reunidos à volta de uma mesa…


Promoção do animal e da sua classe

Já estiveram presentes na Bolsa de Turismo de Lisboa por mais de uma vez. Isso significa também alguma forma de promoção também no estrangeiro?
- Existem diversos clubes da raça espalhados pelo mundo, nomeadamente nos países nórdicos, Reino Unido e EUA. O Cão da Serra da Estrela está hoje bem divulgado e é reconhecido internacionalmente.

A sede da Confraria é em Sortelha, uma das vossas madrinhas foi a Confraria do Bucho Raiano. Quer isso dizer que estão muito ligados ao Concelho do Sabugal? 
- De facto, as Confrarias Madrinhas são a Confraria do Bucho Raiano e a Confraria Queijo Serra da Estrela. Por um feliz conjunto de circunstâncias foi possível localizar a sede na bela aldeia de Sortelha. E está muito bem: no Concelho do Sabugal, virada para o solar da raça!

Qual o futuro da raça do Cão Serra da Estrela?
- O Serra da Estrela é o Cão mais belo do mundo. O seu futuro será, certamente, grandioso. Até porque, como Mark Twain escreveu um dia: “No céu entra-se por favor e não por mérito; se fosse por mérito, eu ficava à porta e o meu cão entrava”.


Notas
1 – Recordo que funciona também a Liga dos Criadores e Amigos do Cão da Serra da Estrela (ver aqui), com sede em Gouveia e de que o nosso entrevistado é vice-presidente.

2 –Se tiver interesse em ter acesso a pormenores sobre a raça, aconselho-o a ir beber aqui. E para ver um filme de uma ninhada que é uma ternura «em pessoa», clique aqui. E depois de verem a forma como os cãezinhos se amontoam em cima da dona a dar e a pedir mimos, digam-me lá se o «Serra» não é um grande companheiro, muito afectuoso, e digam-me se sim ou não têm razão os autores deste estudo, que encontrei referido aqui




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